Apêndice


No dia 21/10/2017 eu fiz a famigerada apendicectomia.
Muitas pessoas dizem que é uma cirurgia bem simples, mas eu te garanto: nenhuma cirurgia é simples. Ou até teria sido bem menos complicada se não tivessem me feito esperado tanto pela internação e pela cirurgia.
Pessoas morreram na mesma situação que eu.
No caso, o meu apêndice não só estourou como também sujou os órgãos próximos.
Eu sei que isso é bem nojento de se imaginar, pois eu tinha vinte quatro anos e estava apodrecendo de dentro para fora. E eu estava dentro do hospital e só me davam analgésicos.
A parte cruel nem era ser jovem, ou deixada para morrer, a parte cruel é que minha filha tinha acabado de fazer um ano e “mamãe” era a única coisa que ela sabia dizer. Ela ainda não andava. E eu sabia que eu iria morrer. Só ficava triste por toda a vida não vivida.
Minha filha nunca se lembraria do meu amor. E meu marido (então, namorado) nunca saberia o tamanho do meu amor. Todos os sentimentos e todas as palavras morreriam comigo. Não tive tempo de dar um último beijo nela ou dizer eu te amo para ele uma última vez.
Queria olhar para minha mãe uma última vez e fechar a cara o máximo que eu sou capaz. Eu não acreditei que enquanto eu agonizava de dor ela dizia que eu estava assim por não ter comido, quando na verdade eu vomitava já a dois dias.
Mas era tarde, eu morreria.
Eu senti uma presença estranha, como se alguém esperasse por mim. Eu vinha sentido algo estranho desde um mês antes, como um presságio.
Então algo mudou naquela manhã enquanto eu estava apagada na cirurgia.  
Não foi apenas viver. A cirurgia foi bem menos complexa do que deveria ter sido, apesar dos órgãos sujos eu não fui para UTI. Pude voltar para casa e descansar uns dias antes de cuidar da minha filha, as férias da minha mãe já estavam na metade quando tudo aconteceu.
Não só isso. Outra coisa mudou, lá dentro no fundo. Eu comecei, lentamente, a me tornar outra pessoa e esse processo ainda não terminou.
Eu posso até dizer que eu morri. E eu retornei.
Não renasci, eu me lembro de tudo, mas tudo está diferente. E é bom e ruim ao mesmo tempo.
E eu amo. Amo muito.
Eu pude viver todas as coisas durante um ano e isso é incrível. Estar vivo é maravilhoso mesmo quando temos vontade de morrer. Só os vivos têm vontade de morrer e quando há vida há esperança.  
Por isso não perca a esperança, você precisa dela.
Mas não precisa do apêndice.

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